s.t.

Ela é rainha da rua quando desce até o ponto de ônibus. Balança os cabelos que vão secando do banho ao longo do caminho, enquanto os ombros frescos queimam com o sol da manhã. Os joelhos fortes brincam com a barra do vestido e o couro das sapatilhas é o mesmo da bolsa que carrega pendurada até a cintura. Ela plana ladeira abaixo. Quando passa à obra na esquina, cruza o caminho de um peão sem nome pra quem o sol já nascera há muito tempo. Tem a pele suada, negra como o piche que trabalha com a enxada em punhos, punhos firmes e sólidos de artesão. Sua concentração é toda investida no trabalho, mas não há chance alguma de mantê-la contra a brisa que sopra anunciando essa mulher. Sem hesitar, ele larga o ofício e sorri com os olhos, o tórax, todo o corpo potente, e arma com a boca larga o sorriso mais maravilhoso que já vimos em nossos vidas. Logo joga as mãos aos céus e se declara: “Te enchia de brilhante!”

Ela para!

O cortejo inesperado, o homem que é um touro, o calor do quase meio-dia, a brisa que passa por seus joelhos, a barra do vestido, o corpo suado, a boca dele cheia de brilhantes, a boca que ela nem se percebe beijando apaixonadamente em plena ladeira abaixo, aos olhos de todos os pedreiros e passantes, aos olhos sorridentes do homem que agora lhe toma em seus braços virulentos e a beija como um príncipe. Não trocam uma palavra pois tudo já foi dito. Ela segue seu caminho inabalável e ele toma de novo em suas mãos calosas a enxada, com o coração cheio daquela força que nasce de caminhos que se cruzam.

-2018

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